O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia
que o tucano José Serra, atual ministro das Relações Exteriores, se fortaleceu
rumo a uma candidatura à Presidência em 2018. “Serra foi lá, tomou posição e se
projetou. Ele ganhou mais força. Mas 2018 ainda está longe.”
No segundo volume de seu Diários da Presidência,
que será lançado na próxima semana, FHC comenta a relação com o PMDB em seu
governo. Em entrevista ao Estado, ele chama de “mito” o caso da
compra de votos pela PEC da reeleição, que também é abordado no livro. Com o
PSDB na base da gestão peemedebista de Michel Temer, FHC vê o sinais se
inverterem e diz que o tucanos podem deixar o governo se ele “for para o lado
errado”.
O PMDB sempre pressionou os governos
por cargos. Temer será pressionado pelos tucanos? O PSDB tem três
ministérios, mas muitos partidos da base atual já estavam antes no governo e
estão aumentando sua participação. O PSDB vai ficar um pouco nervoso com isso.
Relativamente, o partido vai ficar com muito menos que os outros. Mas não acho
que o PSDB vai recuperar poder simplesmente tendo cargos no governo. Poder se
recupera com mensagem. Se o governo for para um caminho que achamos errado,
então o PSDB sai. O governo é destino inevitável para quem participa do atraso.
Se o PSDB se confundir inteiramente com a política, ele vai ter problemas. Isso
vale para o governo. O presidente Temer tem que negociar com o Congresso, mas
ter cuidado e explicar isso para a sociedade.
O sr. diz no livro que a pressão do
PMDB por cargos cheirava mal. Por quê?Havia muita pressão, sobretudo sobre
o Sérgio Motta (ex-ministro das Comunicações). Brigavam muito com ele. Falei
nesse sentido. Queriam me impor e eu não queria isso. O que eu crítico é o
estilo do ‘tem que dar’.
O sr. aborda no livro a suspeita de
compra de votos para a emenda da reeleição, em 1997. A posse do Eliseu Padilha
e do Iris Rezende, ambos do PMDB, no seu governo aconteceu logo depois da
aprovação da PEC... Mas não há nenhuma relação, pois eles eram todos
favoráveis. A PEC da reeleição no Senado foi uma barbada: 80% a favor. Criaram
um mito, que é a compra de votos. Houve acusações. Dois denunciaram. Mas quando
a informação chegou a mim, eu disse para cassar logo o mandato. Não tínhamos
nada a ver com aquele negócio. Não precisava. Todos os editoriais de jornais
eram a favor. E as pesquisas idem. Os que eram contra eram candidatos à
Presidência: o Maluf e o Lula. Eu custei a aceitar a ideia de reeleição para
mim. Tinha muitas dúvidas se valia a pena. É muito duro governar.
No primeiro volume, o sr. diz que
Temer era um político “dos mais discretos”, mas também tinha seus interesses... Sim, como todos os
políticos. Isso é uma coisa que as pessoas precisam entender. Ele (Temer) até
me telefonou dizendo que não se lembrava do episódio que o Luís Carlos Santos
me pediu (uma nomeação). Mas isso é uma coisa normal. É do jogo partidário.
Todos fazem negociação.
Por que o sr. resistiu a nomear o
Padilha? Era um bom rapaz, mas eu não gostava da maneira que eles estavam
pressionando.
O José Serra estava em uma posição
periférica no PSDB em relação ao Geraldo Alckmin e ao Aécio Neves que, como
ele, pretendem disputar a Presidência em 2018. Agora que está no Itamaraty, ele
ganhou mais força para ser o candidato tucano? A medir pelas
semanas iniciais, sim. Ele tomou posição. Eu sempre digo que o problema dos
nossos partidos é não tomar partido. Serra foi lá, tomou posição e se projetou.
Ele ganhou mais força. Mas 2018 ainda está longe.
Na posse no ministério, Serra disse
que a política externa do governo anterior seguia a ideologia de um partido.
Concorda? A política externa anterior não era tão diferente do que foi a minha.
Alguns analistas mostram que a diferença era mais de tom. Mas eles (Lula e
Dilma) criaram uma rede partidária (nas relações internacionais). Por isso
houve perda de espaço para o Brasil na América Latina e a predominância do
chavismo.
A OEA criticou o processo do
impeachment. O que achou? O secretário-geral da OEA diz que
houve golpe. A Unasul também. Isso é um dano para o Brasil e deve ser
recuperado.
O que achou da repercussão
internacional negativa sobre o impeachment em veículos de imprensa como o New
York Times ? O PT criou uma narrativa do golpe que pega mais lá
fora do que aqui dentro. Para os objetivos deles, esse discurso foi bom, mas
não se sustenta com o tempo. Essa é uma narrativa que confunde, pois ela é fácil
e não precisa explicar muito. Você viu o que houve no Festival de Cannes?
Aquilo repercutiu momentaneamente, mas a presidente está na casa dela (no
Palácio da Alvorada). Dilma ainda será Presidente da República até que o Senado
vote a decisão final. São precisos 3/5 dos votos para sair em definitivo. É
muito difícil. Por que o NYT fez isso? Porque a Constituição dos EUA é
diferente da brasileira. Nos EUA o perjúrio dá impeachment e ela não cometeu
perjúrio, mas cometeu crime de responsabilidade
Parte do PSDB acha que Dilma não
poderia continuar morando no Alvorada nesse período de 180 dias. Qual a sua
opinião? Ela deve ficar lá. Dilma é presidente até que o Senado decida o
contrário. Essa visão é mesquinha. Ela merece pessoalmente o meu respeito.
Esse centrão que está se formando no
Congresso pode levar o PSDB a ser coadjuvante? Ou o contrário. O
PSDB pode ser opor a isso. O PT e o PSDB tiveram uma polarização desnecessária.
Por razões eleitorais o PT achou que o inimigo era o PSDB e nenhum dos dois foi
majoritário no Congresso. Ambos tivemos que conviver com o atraso. Com Temer é
a mesma coisa.
O sr. fala no livro de um encontro
com o Lula em 1998 no qual ele foi apresentar uma agenda. No final o sr.
parecia animado... Foi meio escondido. O Lula pessoalmente sempre foi
mais aberto que o PT. Mas estranhamente o Lula, que foi oito anos presidente,
me telefonou apenas uma vez (no governo dele) e foi para me convidar para o
enterro do Papa (João Paulo II). Não tomei nem um café com ele. Minha atitude
foi muito diferente. Ofereci uma casa para ele na transição, a Granja do Torto.
Comi um churrasco com ele lá.
Foi um erro do Temer montar um
ministério só de homens brancos e sem mulheres? Era melhor ter
(mulheres). Os problemas identitários são cada vez mais presentes na agenda
política contemporânea. É importante ter mulheres, negros e jovens. Mas não se
pode pedir para um governo feito às pressas que tudo seja atendido. O sistema
político, partidário e sindical é machista.
A bancada do PSDB se colocou contra a
recriação da CPMF e os tucanos não aprovam a criação de novos impostos. Será o
primeiro confronto com Temer?A CPMF ajuda a controlar o sistema
financeiro. Algum imposto o governo terá que aumentar, pois o déficit é enorme.
A arrecadação caiu e continuará caindo porque a economia não retoma.
Há um debate no governo sobre se a
reforma da Previdência valeria para quem já está no mercado de Trabalho ou só
para quem vai entrar. O que o acha? É lastimável que não tenham aprovado
no meu tempo. Perdemos por um voto a idade mínima. Quando você olha a pirâmide
etária e a questão da Previdência, é lógico que precisa trabalhar mais tempo.
Quando perdemos a idade mínima, criamos o fator previdenciário. Derrubaram duas
vezes e refizeram. Não tem como não fazer. O PSDB errou ao apoiar.
Em São Paulo, Alckmin apoiou João
Doria nas prévias da capital e isso causou um racha. O sr vai subir no palanque
dele? Nunca subi em palanque nenhum, nem quando era presidente. Fui favorável
à (pré) candidatura do Andrea (Matarazzo) e pedi ao governador que mantivesse a
neutralidade Ele insiste que não tomou partido, mas parece que tomou. Se tomou,
criou um problema para ele mesmo. Eu disse para o Andrea não sair (do PSDB) e
esperar a convenção. Se ele saiu, não posso apoiar quem está fora, A lei não
permite.
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